Um outro Porto
Texto e fotos de Walter Craveiro
Você começa aterrissando em um dos mais modernos e premiados aeroportos do Velho Mundo – considerado o melhor da Europa, na categoria de até 5 milhões de passageiros/ano. Dali, a “viagem” continua no metrô, que parte em direção ao Centro. Com pequenos e poucos vagões, mais parece um trem ou um bonde. Primeiro ele passa ao largo das minúsculas quintas (leia-se propriedades rurais) das redondezas. Só então cruza as ruas da cidade, margeando as fachadas de azulejos das casinhas de subúrbio. Bem-vindo. Chegamos à cidade do Porto. Uma metrópole na medida do homem -- como dizem por lá.
Metrópole? Nem tanto se a medida for não o homem -- mas os números. O Porto acolhe só 237 mil moradores. Ocupa uma área equivalente ao Centro da cidade de São Paulo, onde guarda em suas ruas a diversidade arquitetônica e cultural adquirida pelo povo que inventou a globalização. Sim. Foi ali, à beira do rio Douro, afinal, que se iniciaram as Grandes Navegações. Ali também nasceram uma especialidade da cozinha portuense -- as tripas à moda do Porto --, e o apelido de tripeiro para os que vivem na região. Reza a lenda que, para abastecer os navios que saíam rumo ao incerto, o comércio de carne da cidade priorizava as tripulações, restando aos de terra firme as tripas e os miúdos dos animais abatidos.
O convívio com as navegações e, portanto, com o mar legou à mesa dos tripeiros, ainda, as sardinhas, invariavelmente assadas e servidas com pimentos, os frutos do mar frescos pescados na costa. Sem esquecer o bom amigo bacalhau, este capturado, de início, nas águas frias da Terra Nova, perto do Canadá, e hoje na região da Noruega. Sempre muito longe das águas portuguesas.
Na Foz do Douro, o mar continua a marcar presença, e o Farol das Felgueiras é porto seguro. Tem os que lá pescam. Quem se arrisca sempre arruma um peixinho para o almoço. O ar fresco oceânico também faz parte do passeio. Aliás, a crença nos poderes da luz do sol e do ar marinho motivou a construção, no início do século 20, em frente ao farol, de um centro de saúde helioterápico. Aproveitar as propriedades terapêuticas do sol e do mar, eis o mote.
Se a medida for o homem, o Porto não só é metrópole como espelha o melhor do gênero humano. Talvez a sua melhor síntese da vida portuense esteja na Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira. Trata-se de uma casa referência de arquitetura de paisagem, projetada por Álvaro Siza Vieira, Prêmio Pritzker de Arquitetura, e ainda em plena ativa, aos 85 anos. A construção sedia o restaurante chefiado por Rui Paula e estrelado pelo Guia Michelin. Uma composição que mescla a paisagem marinha com audácia arquitetônica e alta gastronomia.
É bem verdade que o turismo que não para de crescer em Portugal. Só de brasileiros foram 625 mil em 2016; e 869 mil no ano seguinte. Ainda assim, o Porto, fora das áreas mais turísticas – a Baixa e a Ribeira –, ainda é uma cidade tranquila, com uma vida local muito rica e cheia de pequenas surpresas. Para quem se propõe a se perder pelas ruas sempre há recompensas. A sede da Guindalense Futebol Clube é um desses lugares. Fincado na escada dos Guindais, que liga a beira do Douro à zona da praça da Batalha, o clube tem um diminuto bar no terraço, com uma vista espetacular do rio Douro. O destaque é a ponte D. Luís em primeiro plano.
Outra dica fora dos roteiros óbvios é a Gazela, na praça da Batalha. Recomenda-se acotovelar-se com os “locais” em um pequeno balcão, para tomar um fino e comer um cachorrinho. Por fino, entenda-se o nosso chope. Já o cachorrinho é um sanduíche crocante e picante, cortado com precisão de sushiman em fatias bem fininhas. Atrai de comilões a chefs de cozinha. Anthony Bourdain, o cozinheiro confidencial, gravou na Gazela parte de um de seus últimos programas ao passar pelo Porto em 2017. Mostrou ao mundo um delicioso segredo desta pequena grande metrópole.