De volta às raízes
Walter Craveiro, 55 anos, cresceu no Centro de São Paulo. No coração da cidade, os conflituosos anos de 1970 desfilavam diante dele como blocos carnavalescos organizados no calor da animação, sem hora para começar e tampouco para terminar e, por isso, de perturbadora magia. Tudo de relevante passava pelo Centro, plantando em Craveiro a necessidade de registrar a marcha dos acontecimentos. Aos 15 anos começou a fazer Super 8. Aos 18 entrou na faculdade, imaginando-se feliz na carreira de engenheiro químico. Mas o mundo das imagens já morava dentro dele e encontrou no laboratório de fotografia do grêmio do Instituto Mauá a brecha para manifestar-se. Dos compostos químicos, Craveiro foi para o jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e em 1985 iniciou sua trajetória profissional como assistente em um estúdio de fotografia publicitária. Confortável em sua escolha, caminhou como muitos de seus companheiros de ofício. Depois de uma temporada na Europa, conseguiu uma chance de mostrar seu trabalho na Editora Abril, iniciando seu percurso no mercado editorial. Náutica, Próxima Viagem, Vacances, Business Travel, a lista de revistas para as quais colaborou é extensa. O birô de editoração eletrônica montado em 1992 transformou-se em estúdio de comunicação e com ele Craveiro segue fazendo fotografia corporativa.
Para além da demanda comercial está a reflexão. Há seis anos, de câmera na mão, Craveiro resolveu revisitar o Centro de São Paulo, iniciando o ensaio Ver Rever. São Paulo. Porto. No meio do caminho, em 2013, o inusitado. Para comemorar seu aniversário de casamento, Craveiro foi com a esposa, Lúcia Caetano, para a cidade do Porto, em Portugal. “Ela, filha, e eu, neto de portugueses, encontramos, ou melhor, reencontramos nas ruas do Porto lugares, costumes e pessoas muito familiares. De maneira quase irrefletida, a Baixa do Porto passou a ser uma extensão do espaço de memória que eu explorava em São Paulo. Nesse exercício de ver e rever-me, resolvi fotografar com recursos que costumava utilizar ao iniciar minha carreira profissional.” Naquela época analógica, cada fotógrafo tinha o seu filme preferido. O de Craveiro era o Fuji Velvia 50. Altíssima resolução e cores saturadas davam ao filme uma característica ímpar, exigindo um grande cuidado ao fotografar nas áreas de sombra: facilmente o preto invadia essas regiões. Craveiro passou a fotografar as ruas do Porto e de São Paulo com os padrões do Velvia 50 na câmera digital. Entretanto, e de forma intencional, dessa vez a sombra e o preto ganham destaque na paisagem, criando composições de cores pausadas, como nomeou um amigo. “Revelou-se a ausência. E um vigoroso espaço de encontro e reencontro com minhas memórias.”
O gestual e o olhar
Ver Rever deve materializar-se em uma exposição. Assim como aconteceu com o trabalho de maior visibilidade de Craveiro, como fotógrafo oficial da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty. Clicando as mesas literárias desde a primeira edição, em 2003, Craveiro reúne um precioso acervo, que já foi tema de exposição na própria Flip, há quatro anos. Diferente dos demais fotógrafos, Craveiro pôde permanecer na Tenda dos Autores no decorrer das apresentações e debates. “Acho que sou a única pessoa que assistiu a todas as mesas até hoje”, comenta o fotógrafo. Trabalhando na miúda, Craveiro procura mergulhar na discussão. “Meus elementos são o gestual e o olhar. Busco representar as ideias se expressando no rosto das pessoas.”Uma das mesas mais surpreendentes foi a da escritora Adélia Prado, que com sua simplicidade provocou uma catarse coletiva. Outra situação inusitada ocorreu com o escritor peruano Mario Bellatin. “Ele não tem um dos braços e costuma utilizar próteses artísticas, a mais comum semelhante a uma curva francesa. No dia de sua apresentação ele usou um grande pênis”, diverte-se Craveiro. Entre seus retratos preferidos está o de Ferreira Gullar, pela expressividade. A ideia é evidenciar novamente esse conjunto em 2017, em comemoração aos 15 anos da festa literária. Pelo jeito, uma boa safra vem aí.
por Tânia Galluzi
Revista Abigraf nº284 julho/agosto 2016